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Violentamente Pacífico

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sucesso

Rir muito e com freqüência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido sucesso.

Se escola fosse estádio e educação fosse Copa, por Jorge Portugal

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Passei, nesses últimos dias, meu olhar pelo noticiário nacional e não dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.



Há semanas, o todo-poderoso do futebol mundial ousou desconfiar de nossa capacidade de entregar o “circo da copa” em tempo hábil para a realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo das obras.


Fiquei pensando: já imaginaram se um terço desse vigor cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público? É… pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental, nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos para preparar a Copa do Mundo?
E olhe que nem precisaria ser tanto! Lembrei-me, incontinenti, que o educador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da República, encaminhou ao Senado dois projetos com o condão de fazer as coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores, coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Que tal? Não é valorizar essa classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o Brasil? O projeto está lá… parado, quieto, na gaveta de algum relator.
O outro projeto, do mesmo Cristovam, é uma verdadeira “bomba do bem”. Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que “daqui a sete anos, todos os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da República serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino”. E então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais), senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas, sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos? Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe dele.
Desafio ao leitor: você é capaz de, daí do seu conforto, concordando com os projetos, pegar o seu computador e passar um e-mail para o senador Valadares (antoniocarlosvaladares@senador.gov.br) pedindo que ele desengavete essa “bomba do bem”? É um ato cívico simples. Pela educação. Porque pela Copa já estamos fazendo muito mais.
Jorge Portugal é educador, poeta e apresentador de TV. Idealizou e apresenta o programa “Tô Sabendo”, da TV Brasil.

Governo deles e para eles



A ganância, o  egoísmo e, principalmente, a impunidade são os motivos que levam pessoas, portadoras da responsabilidade de garantir o bem-estar da sociedade, a fazer o contrário de suas funções: atender o interesse de si mesmos, usando, para isso, sórdidas manobras.
Em 2010, manifestou-se um levante popular com a finalidade de efetivar uma lei cujo objetivo era de impossibilitar a eleição de candidatos evolvidos, no passado, em casos de corrupção. Denominada de “ficha limpa”. Entretanto ela não entrou  em vigor, porque, as que seriam prejudicados são os mesmos que aprovam os políticos. Diante desse fato dica evidente o egoísmo da maioria dos políticos em atender interesses pessoais. Isso é ruim, pois a saúde, a educação a segurança entre outras são negligentemente omitidas e, assim,  impedindo o desenvolvimento social.
A deputada Jaqueline Rodez, mesmo sendo flagrada recebendo propina em uma grande esquema de corrupção no Brasil, o mensalão, estava convicta de sua absolvição ; foi o que ocorreu. Esse caso só é mais um de um imensa lista. Tais casos são ruins, porque as pessoas diante da impunidade podem fica incrédulas com mudanças e não se preocupam em lutar para reverter esse, quadro.
Deixando de investir em benefícios à população e promovendo despreocupação em buscar melhorias a corrupção política e nociva à sociedade.

Júlio Cesar Alves

Vício de Escrever

quarta-feira, 26 de outubro de 2011





Tenho uma novo distúrbio para os médicos pesquisarem: o da redação. Estou acometido por esse. para onde vou, seja no ônibus, seja na escola, até mesmo, dormindo eu vejo tema para redação. Percebi que estava doente quando um " sacizeiro' veio me pedir dinheiro e eu dissertei para ele os sobre os malefícios do uso de entorpecentes. E ele me bateu.








Júlio Cesar Alves 

Preto e Branco - Os dois lados do autor

sábado, 17 de setembro de 2011

Preto e Branco
Luis Fernando Veríssimo

Um palco vazio. Entram dois homens, um vestido de preto e o outro vestido de branco. Eles representam os dois lados do Autor. Isso a platéia já sabe porque está escrito no programa. Pelo Autor. Ou por um dos lados do Autor, já que o outro era contra. O outro lado do Autor queria que o espectador deduzisse no transcorrer do diálogo que os dois atores representam a mesma pessoa, porque, na sua opinião, dar muitas explicações para a platéia subverte a relação de cumplicidade misturada com hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo. Os dois lados do Autor discutiram muito sobre isto e prevaleceu o lado que queria ser perfeitamente claro, mesmo com o perigo de frustrar o público. Palco vazio. Dois homens, representando os dois lados do Autor. Um todo de preto, o outro todo de branco.
Homem de Branco - Preto.
Homem de Preto - Branco.
Branco - Por que não cinza?
Preto - Vem você com essa sua absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!
Branco - Se não fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você ...
Preto - Nós teríamos vivido! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que nos viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os "is". Dado nome completo a todos os bois! .
Branco - Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.
Preto - E temos os tiques nervosos para provar.
Branco - Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto-Socorro, setor de traumatismo?
Preto - Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer "Eu disse!"
Branco - Ainda bem que não é você que manda em nós.
Preto - Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento.
Se ao menos eu pudesse sair aos sábados ...
Branco - Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?
Preto - Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e o adiado.
Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E cada
vez que um homem pensa em sair dançando um bolero e se controla, seu fígado aumenta?
E cada ...
Branco - Bobagem. Ainda bem que eu sou o verdadeiro nós.
Preto - Não, eu sou o verdadeiro você.
Branco - Você só é nós em pensamento. Você é a minha abstração.
Preto - Sou tudo o que em nós é autêntico e não reprimido. Ou seja: você é a minha falsificação.
Branco - Você não é uma pessoa, é uma impulsão.
Preto - Você não é uma pessoa, é uma interrupção.
Branco - Mas quem aparece sou eu.
Preto - Então o que eu estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?
Branco - Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho. "Escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer." Tom Stoppard.
Preto - Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer ...
Branco - Branco. E eu ...
Preto - Preto. Por quê?
Branco - Para mostrar à platéia que todo homem é a soma, ou a mescla, das suas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.
Preto - Mostrar a quem?
Branco - À pla ... Onde está a platéia?!
Preto - Foram todos embora.
Branco - Será porque não entenderam o diálogo?
Preto - Acho que foi porque entenderam.

Chatear e encher

sábado, 27 de agosto de 2011
"Um amigo meu me ensina a diferença entre 'chatear' e 'encher'.
Chatear é assim:
Você telefona para um escritório qualquer na cidade.

- Alô! Quer me chamar por favor o Valdemar?
- Aqui não tem nenhum Valdemar.

Daí a alguns minutos você liga de novo:
- O Valdemar, por obséquio.
- Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.
- Mas não é do número tal?
- É, mas aqui não trabalha nenhum Valdemar.

Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:
- Por favor, o Valdemar já chegou?
- Vê se te manca, palhaço. Já não lhe disse que o diabo desse Valdemar nunca trabalhou aqui?
- Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.
- Não chateia.

Daí a dez minutos, liga de novo.
- Escute uma coisa! O Valdemar não deixou pelo menos um recado?
O outro desta vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis.

Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos, faça nova ligação:

- Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar. Alguém telefonou para mim?"

Paulo Mendes Campos. “Chatear e encher”.
Para gostar de ler. vol. 2. São Paulo, Ática, 1983. p. 35.

Definitivo

domingo, 17 de abril de 2011

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

Pense Diferente!

sábado, 9 de abril de 2011




“Saudações aos malucos. Aos desajustados. Aos problemáticos. Aos inadequados. Aos que enxergam as coisas de modo diferente. Eles não gostam de regras. E não tem respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou difamá-los. A única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a humanidade para a frente. E enquanto alguns os consideram malucos, nós os consideramos gênios. Porque as pessoas malucas o suficiente para acreditar que podem mudar o mundo são as que realmente mudam.”

Verdade Congelada.

Embora alguns construam destruindo… Devemos dar-lhes direito de participar como cada um de nós; aprendendo com nossas ignorâncias e ainda com as ignorâncias de alguns.
… Pois elas nos dão ânimos de seguirmos um pouco mais.
Pois, como pedras brutas que bem trabalhadas, podem delas fazer degraus.
Tudo é confuso entre falso e verdadeiro.
Embora a verdade seja uma, como cristal – ela tem muitas faces.
Somos curiosos por natureza e diante do abismo das suposições, às vezes encontramos coisas palpáveis.
Como já disse: Os mistérios que nos cercam, são apenas soluções físicas e não espiritual… Já essa última, muitos nem sabem que existe!
Eu simplesmente digo: Quão linda é a natureza, cheia de mistérios e ela nos diz que cada vez mais próximos chegarmos; descobriremos que não existe nada por si e nem obra sem autor.
Qualquer coisa, por si, já se explica. Apenas não lemos à longa história da sua existência e nem sei se um dia concluiremos sua leitura… Nem mais me preocupo com isso… Apenas procuro dar um passo de cada vez e tirar minha própria conclusão em cada passo. Se existe uma só lei para o Universo, saiba que ela está muito longe de nós.
Se existe uma chave Universal, com certeza ela jamais será dada ao homem.
Pois, certamente com pouco tempo nós auto-se – destruiremos! …Tentando criar nosso próprio universo! (rs).

De Homem Para Homem - Fernando Sabino

quinta-feira, 31 de março de 2011


Você talvez não se lembre: devia ter naquela época uns quatorze ou quinze anos. Eu tinha sete. Sei disso, porque naquele ano havia entrado para o grupo escolar. E foi no grupo que ganhei meu bodoque.
Trata-se, portanto, de um bodoque - também chamado de atiradeira ou estilingue. Nós chamávamos de bodoque: uma forquilhinha, em geral de goiabeira, raspada a canivete, da qual partiam duas tiras finas de borracha de câmara de ar de bicicleta, bem amarradas (era preciso esticar bem para amarrar, do contrário se soltavam) e juntas na outra extremidade por um pedaço de couro de língua de sapato velho. Assim eram os bodoques, e não serviam só para matar passarinho, como você insinuou, serviam para tudo: para quebrar vidraça, para derrubar manga, para tiro ao alvo, para guerrear contra os outros meninos. Deus é testemunha de que nunca consegui matar nem um passarinho com bodoque ou sem ele, era péssima a minha pontaria - esse pecado não carrego comigo, foi uma injustiça de sua parte. E honra me seja feita: o único passarinho morto que me caiu nas mãos, achado no quintal já meio comido de formigas, enterrei com todo o respeito, depois de abrir com o canivete, para ver como ele era por dentro. Isso os médicos estão cansados de fazer com gente de verdade nos hospitais, não é pecado nenhum.
Que foi que aconteceu com meu bodoque? Você não se lembra, certamente, nem chegou sequer a saber como ele veio parar nas minhas mãos. Pois lhe conto agora: eu tinha uma colação de marcas de cigarro que troquei com Evandro por uma coleção de pedras preciosas de vidro; vendi as pedras por quatrocentos réis dos grandes e com eles, e mais um pião, e mais uns selos da Tasmânia que tinha ganho numa aposta, e mais - não tenho certeza - duas ou três bolas de gude, comprei afinal o bodoque de um menino que já não lembro mais quem era. Faz diferença eu não me lembrar mais quem era?
Pois bem: e que foi que aconteceu? Aconteceu que naquele mesmo dia eu fui procurar Newton e Toninho para mostrar o meu bodoque, muito melhor do que os deles, não encontrei nem um, nem outro. E olhe que Newton sabia fazer bodoque! as forquilhas dos bodoques dele sendo tão fechadinhas que era preciso esticar muito para não pegar no dedo, a pedra passava por cima. Encontrei foi você, na porta da casa do Armando e do Quico, ali na Rua da Bahia. Eu trazia o bodoque enrolado no bolso da calça e queria fazer uma surpresa, se não para o Newton e o Toninho, pelo menos para o Quico, que não tinha bodoque nenhum ainda. Você já era meio compridão feito hoje, me lembro que me olhou de cima para baixo com esses olhos meio caídos que tem até hoje e me disse: "Aonde é que você vai aí todo satisfeito?" Eu disse que ia mostrar ao Quico o meu bodoque, você então perguntou: "Bodoque?" E me pediu para ver, com ar fingido de quem já é velho demais para ficar pensando em bodoque. Então caí na asneira de enfiar a mão no fundo do bolso da calça, tirar o bodoque e mostrar. E você, o que foi que fez? Pegou no bodoque como se quisesse mesmo ver, mas logo abriu o paletó e me mostrou a fivela do cinto, falando: "Olha aí" E guardou meu bodoque no bolso. Era uma fivela dourada de cinto de escoteiro e nela estava escrito "Sempre Alerta" debaixo de uma flor de lis. Mas era só o cinto, você não estava fardado de escoteiro, estava até de calça comprida, que você já usava. Armando, que também era mais velho, veio chegando e viu, perguntou o que era, então você explicou para ele: "Sou escoteiro, tomei o bodoque dele".
Tomou o meu bodoque. Quando eu entendi que você me tinha tomado mesmo o bodoque por ser escoteiro e escoteiro não pode matar passarinho, perdi a cabeça e comecei a gritar: "Mas eu não sou! Me dá meu bodoque!" Acabei chorando de raiva e o próprio bodoque, digo, o próprio Armando insistia com você que não fizesse isso, deixe de coisa, dá o bodoque do menino. E você ali inabalável, até achando graça na minha raiva. Acabou dizendo que primeiro iria apurar se eu costumava matar passarinho com bodoque (juro que não, era para derrubar manga!) e no caso de não apurar nada, era possível que devolvesse. Saí dali meio perplexo, já nem chorando mais, esmagado pelo peso de sua autoridade de escoteiro.
Pois muito bem: foi isso que aconteceu. Depois daquele dia tive uma porção de bodoques, fui escoteiro também, nunca me aconteceu tomar bodoque de ninguém. Os anos passaram, eu cresci, muitas coisas aconteceram, e aqui estou. Você também cresceu, embora já fosse bem crescido, muitas coisas lhe aconteceram, você aí está. De vez em quando tenho notícias suas por amigos comuns, de vez em quando cruzamos na rua um com o outro, chegamos mesmo a trocar palavras de cordialidade, somos velhos conhecidos, nada temos um contra o outro.
A não ser o bodoque. Seu candidato venceu nas eleições, você veio para o Rio, foi nomeado para um alto cargo administrativo onde, dizem os jornais, tem revelado competência. Fico muito satisfeito com isso, você levando a sua vida e eu a minha, está tudo muito bem.
A não ser o bodoque. Seu nome, para mim, antes de mais nada, continua ligado ao bodoque que você me tomou e nunca mais me devolveu. Só porque era escoteiro. Ora, tenha paciência! Hoje não sou menino mais, você pode ser mais alto e mais velho do que eu, pode ser muito importante, diretor, ministro, ou lá o que seja, até presidente da República, não me espantaria, do jeito que as coisas vão - mas eu sou homem também. E se você quer que eu te considere um homem, antes de mais nada me devolve meu bodoque.
Eu quero meu bodoque.

SABINO, Fernando. As Melhores Crônicas de Fernando Sabino. 4ª ed. - Rio de Janeiro/RJ: Record, 1992. pp 50-53